Astrócitos, glias e neurônios:
O dinâmica da interação e a aprendizagem humana
08/03/2007
A nossa capacidade de aprendizagem está baseada na dinâmica das interações e na ação do trabalho em equipe. É assim socialmente, também é assim neurologicamente.
Entretanto, no âmbito social o não reconhecimento dessa sistemática impede que o processo de aprendizagem humana seja pleno. Já no cérebro, os estudiosos conseguem perceber que os neurônios não são os únicos responsáveis por todo o poder de aprendizagem de cada um de nós: um conjunto muito maior de outros tipos de células, as glias e os astrócitos, contribuem significativamente para esse processo.
O que faz um grupo de pessoas tornar-se uma equipe? O pagamento de bons salários? As condições adequadas de trabalho? O desempenho especializado de cada um? São fatores importantes, mas não decisivos porque muitas equipes tornam-se vencedoras sem essas condições, movidos pela qualidade das relações humanas, pela realização pessoal, pelo reconhecimento e satisfação que o esforço proporciona. A conseqüência disso é que uma boa equipe passa a ser bem paga e obtém melhores condições após as conquistas. O que move as pessoas a buscarem objetivos comuns nem sempre é identificado objetivamente. Há os aspectos subjetivos, às vezes não claramente percebidos pela própria equipe.
Essa é a visão que os estudiosos das neurociências estão percebendo com relação ao cérebro humano. Durante muitas décadas definiu-se a função dos neurônios em sua rede de conexões sinápticas como responsáveis primordiais pela aprendizagem humana. Porém, os resultados das pesquisas recentes mostram o quanto os astrócitos são importantes para o pleno funcionamento dos neurônios.
Astrócitos são uma variedade de células de dois tipos, que ocupam a massa cinzenta e a massa branca do cérebro respectivamente, tornando-se responsáveis, em princípio, pelo preenchimento dos espaços entre os neurônios e regulando a concentração de substâncias que interferem nas funções neuronais, como, por exemplo, a concentração de potássio. Os astrócitos regulam os neurotransmissores e agora, apontam os estudos, percebe-se o quanto são capazes de ativar a maturação e a proliferação de células-tronco nervosas adultas, proporcionando ainda, através de seus fatores de crescimento, a regeneração de tecidos cerebrais ou espinhais danificados por traumas ou enfermidades.
Numa equipe, por exemplo, sabemos que as atitudes e as posturas de certos integrantes, alimentando o valor das relações, dissipando os desentendimentos, motivando sentimentos de superação de obstáculos agem como a força essencial para as conquistas – não apenas suas funções previamente determinadas têm papel importante. Em uma família unida o papel dos pais de manter a ordem e a disciplina para o crescimento é muito pouco diante do poder que tem a atitude deles em motivar os filhos a conquistarem mais do que eles mesmos conseguiram. A qualidade das posturas, das relações e dos exemplos são fatores fundamentais.
Mas, de que forma as glias e os astrócitos participam decisivamente sobre o processo de aprendizagem que o cérebro permite aos seus portadores? Ora, ambas são muito mais numerosas no cérebro que os neurônios. De um lado, as glias se comunicam com os neurônios e umas com as outras sobre as mensagens trocadas pelas células nervosas, e são capazes de modificar esses sinais nas fendas sinápticas, podendo influenciar o local de formação das sinapses que interligam os neurônios; de outro, os astrócitos controlam as sinalizações entre as sinapses de várias maneiras, fazendo com que o cérebro reveja suas respostas a estímulos a partir da experiência acumulada, influenciando a forma como se aprende.
Sabemos que, de um modo geral, nossa aprendizagem depende da capacidade de formação de conexões na rede neuronal. Ao experimentarmos atividades novas, essas conexões se ampliam e formam redes de interação no conjunto de 100 bilhões neurônios constituintes do cérebro. Mas não bastam apenas que novas conexões se formem: a força da aprendizagem está na qualidade dessas interações, interferindo no modo como vemos e revemos e reutilizamos o que se passa a nossa volta.
O nosso crescimento e a nossa realização pessoal e profissional depende da qualidade das nossas relações: um professor nos traz conhecimentos, mas um professor motivador nos proporciona, pelo exemplo e pelas atitudes, o desejo de nos tornarmos tão bons quanto ele. Essa força não está na função mais visível do professor, e sim, na pessoa humana que proporciona o bem comum. Por isso, somente quando percebermos inteiramente e alcançarmos a força e a dinâmica de uma equipe por essas ações subjetiva de cada um, a exemplo dos humildes astrócitos, alcançaremos um sistema de aprendizagem pleno a excelência humana.
Cérebro, mentiras e criatividade
04/02/2007
Mentir exige muito mais esforço do cérebro humano do que falar a verdade, mas, fazer de conta que está mentindo requer o exercício intenso da criatividade. Quando mentimos, nosso esforço para inventar elementos, fatos ou personagens que não existem e encobrir a verdade aciona 14 partes diferentes do cérebro, o que não ocorre quando simplesmente dizemos o que realmente aconteceu, envolvendo uma operação que aciona apenas 7 partes diferentes da nossa massa encefálica.
O resultado dessa constatação feita por cientistas da Universidade de Temple, na Filadélfia,nos permite compreender melhor a segunda afirmação acima: criar e usar metáforas é o exercício de criação de situações e eventos que, mesmo não sendo reais, são verdadeiros – as parábolas ou as analogias para representar fenômeno científico são bons exemplos.
Ambos os aspectos têm base em estudos de reconhecido valor científico e permitem compreender como podemos tirar maior proveito da capacidade do nosso cérebro em tornar a si mesmo cada vez mais eficiente no desenvolvimento da criatividade.
A notícia de que mentir requer maior envolvimento cerebral foi dada por cientistas do Centro da Imagem Funcional do Cérebro da Universidade de Temple após uma experiência com onze voluntários e utilização de equipamentos de ressonância magnética funcional. O experimento funcionou da seguinte maneira: seis desses voluntários participaram de sessões de tiro com balas de festim, mas todos os onze tiveram que garantir que tinham participado da prática com as armas. Nesse caso, cinco estavam mentindo.
A ressonância pode demonstrar inúmeras vezes que os mentirosos precisavam acionar o dobro das partes de seus cérebros para inventar uma situação na qual se acreditasse em suas afirmações, contra as sete partes manifestadas pelos cérebros dos que realmente relatavam os fatos verdadeiros.
Essa relação entre capacidade inventiva e comportamento padrão com demonstração da criatividade em situações de mentira já havia sido apontada por um dos mais importantes pesquisadores da área, Paul Torrance, ainda nos anos 60 e relatadas em sua obra sobre criatividade. Torrance desenvolveu inúmeros testes de avaliação e estímulo da criatividade a partir de observações junto a jovens estudantes. Uma dessas observações envolveu uma fraude: um universitário estava sendo expulso da universidade porque havia fraudado um exame importante. Ao tomar conhecimento e analisar o fato, Torrance ficou admirado com a capacidade inventiva do jovem para enganar o processo e questionou: se esse estudante é tão criativo para desenvolver tal façanha porque a universidade não havia sido capaz de aproveitar tanto talento?
Sobre o universitário sabemos apenas que não escapou às suas responsabilidade e foi punido, mas passamos a compreender melhor como o ensino em universidades tradicionais estimulavam tão somente o pensamento racional em detrimento da criatividade. E essa constatação permitiu a Torrance a concepção de novas posturas para criação de propostas de ensino mais satisfatórias ao desenvolvimento tanto da racionalidade quanto da criatividade.
Podemos então compreender como, de fato, as atividades de criação de metáforas – o fazer de conta que se está mentindo, é de fundamental importância para o desenvolvimento da criatividade em diversas áreas. Esse recurso da linguagem e da retórica é encontrado nos discursos religiosos com as parábolas; no discurso publicitário em anúncios que nos preenchem as fantasias e os sonhos; no discurso jornalístico em diversas práticas como no jornalismo científico em que são necessárias analogias para compreensão de fenômenos que estão longe da percepção humana etc.
Não por acaso Richard Wilhelm demonstrou em sua obra A psicanálise dos contos de fadas a importância dessas narrativas metafóricas para a formação da psique da criança. Não menos por acaso Fritjof Capra, citado em artigos anteriores dessa seção, afirmou a significativa descoberta de que o pensamento humano é essencialmente metafórico.
Portanto, como conviver com a mentira e a verdade deve ser uma postura educacional que precisa ir além da ética como fundamento da cidadania; pelo exercício pleno da criação literária, pelo estimulo à imaginação tão exaltada pelo físico Alberto Einstein como instrumento de descobertas, pode-se estimular um exercício muito mais pleno do cérebro humano.
http://www.insite.pro.br/Artigos%20da%20Semana%202007.htm
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