quinta-feira, dezembro 06, 2007

Especialistas contestam correção de provas discursivas da Câmara dos Deputados

05/12/2007
Especialistas contestam correção de provas discursivas da Câmara dos Deputados

Maria Carolina Lopes
Do CorreioWeb

Textos em primeira pessoa, frases vagas e transcrições literais da obra original. Essas são as características dos resumos elaborados por nove candidatos que passaram na prova discursiva para o cargo de analista de recursos humanos da Câmara Federal. Nesta quarta-feira, a procuradora federal Michele Rangel recomendou que a Fundação Carlos Chagas (FCC), organizadora do concurso, e a Casa Legislativa anulem as provas discursivas para os cargos de analista de Recursos Humanos e taquígrafo. O CorreioWeb teve acesso a nove redações elaboradas por inscritos que tiraram nota entre 18,5 a 24 na avaliação para RH. As provas foram mostradas a professores de língua portuguesa, que são categóricos ao afirmar que os textos não podem ser caracterizados como um resumo.

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A correção das avaliações provocou uma reviravolta no ranking dos postulantes ao cargo. Quinze dos 25 classificados com as melhores notas no teste objetivo (1ª fase) foram eliminados. Em contrapartida, 12 dos que haviam conseguido as piores notas na avaliação objetiva se classificaram. Com a inversão, um dos inscritos ganhou 104 posições, e pulou da 119ª para a 15ª colocação. Outras 20 pessoas avançaram até 50 posições entre uma correção e outra.

Em cinco das nove provas a que o CorreioWeb teve acesso, os candidatos constroem frases em primeira pessoa. Em um dos resumos, um inscrito que tirou nota 24 (a prova valia 27,50 pontos) escreve: “a teoria psicanalítica já nos ensinou...”. Outro postulante ao cargo, com nota 23, usa o termo “mas ainda não somos capazes de interferir nela”. O coordenador da disciplina de língua portuguesa do Centro Educacional Sigma de Brasília, Josino Nery Neto, lembra que não é correto o uso do pronome em resumos. “Algumas bancas até aceitam isso em redações, mas em resumo não. Isso porque, nesse caso, o candidato deve ser fiel ao texto e não interferir na formulação do autor, o uso da primeira pessoa é uma interferência”, explica.

Para o professor de Língua Portuguesa do Obcursos, Ronaldo Silva, o problema está nas frases inconsistentes construídas pelos candidatos. Ele cita a expressão: “É simples fechar os olhos para a loucura e isolá-la em locais invisíveis à sociedade”, construída por uma candidata que tirou nota 19,5. “É um texto inocente, infantil, recheado de inconsistências. Não é próprio de um analista da Câmara dos Deputados que vai receber salário de R$ 9 mil”, alfineta o professor.

Também em relação a inconsistências dos resumos, o professor Neto chama atenção para a construção “as pessoas possuem alguma compreensão sobre o tema loucura, mas esta se apresenta ainda com máxima agudeza e simplicidade, máxima intensidade e mínima mediação”. Essa frase, para o professor do Sigma, não tem sentido. Além disso, o professor do Obcursos lembra que a expressão “máxima agudeza e simplicidade, máxima intensidade e mínima mediação” é a transcrição fiel do texto original.

Outros três candidatos, com notas 20, 22 e 24, terminam os resumos parafraseando a obra original usando as seguintes expressões: “como encarar tal sofrimento e como encarar o mundo a partir desse sofrimento?”, “como percebo esse sofrimento e como percebo o mundo a partir dele” e “o que a loucura significa para mim? E como o mundo se parece para o louco?”. Segundo Silva, o Manual do Candidato do Instituto Rio Branco -escrito por Francisco Savioli e José Luiz Fiorin- e a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) deixam claro que não pode haver transcrições em resumos.
Outro problema é o tamanho dos textos. De acordo com Silva, os mesmos autores apontam que um resumo deve ter 1/4 do original. “Outros aceitam 1/3, eu diria que o máximo é 50%, maior que isso é impossível. Outro erro gritante é produzir o resumo em mais de um parágrafo. Está errado conforme a norma ABNT NBR 6028”, explica o professor. O resumo de uma candidata que tirou nota 20 tem 20 linhas. No entanto, a obra original tem 18 linhas. Outros resumos têm 17, 15 e 16 linhas.

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