segunda-feira, março 10, 2008

Dossiê Veja - o blog do Nassif

O Mais Vendido
A seção “Mais Vendidos” é uma instituição da Veja. Criada nos anos 70, se tornou o principal referencial de vendas de livros no país. Aparecendo na lista, aumentam as encomendas do livro e as livrarias passam a colocá-lo em lugar de destaque em vitrines e estantes. Há um ganho efetivo – intelectual e financeiro – em aparecer na relação.

Um dos textos mais agressivos de Veja foi o comentário “O mais vendido”, referindo-se ao jornalista Leonardo Attuch. Veja ainda estava na fase dos ataques a Dantas – que precedeu o grande pacto.



Attuch escreveu o livro “A CPI que abalou o Brasil”. O livro entrou para a lista dos mais vendidos. Depois, descobriu-se que a Editora Siciliano, que lançara o livro, havia inflado os dados de venda incluindo livros em consignação.

A resposta de Veja, ao estilo Sabino (embora internamente se atribua o texto a Eurípedes) foi de uma virulência desproporcional (clique aqui para ler a íntegra):

O mais vendido

Investigado pela Polícia Federal por atividades ilícitas, o negociante de notícias Leonardo Attuch está envolvido em uma nova fraude.

Attuch processou a revista e ganhou.

Depois de qualificar Attuch como “quadrilheiro” e “vendido”, o quarteto de Veja se aproximou dele, compondo a grande frente em defesa de Dantas na mídia. Mas isso é tema para outro capítulo.


Continuemos com os “Mais Vendidos”.


No dia 10 de março de 2004, o romance de estréia de Mário Sabino – “O Dia em que Matei Meu Pai”- foi resenhado na Veja (clique aqui). A resenha foi de responsabilidade do jornalista Carlos Graieb, repórter da revista e subordinado a Sabino. Era algo impensável, vetado por qualquer código de ética escrito ou tácito, que um subordinado fosse incumbido de resenhar um livro do chefe.

Um leitor me informa:

Todos os anos, no mês de dezembro, sai a lista dos “Livros do Ano” do "The Economist". A posição da revista quanto ao tratamento dado à obra de seus talentos internos, está resumida nas seguintes linhas: "Nossa política é não resenhar livros escritos pela nossa equipe ou por colaboradores habituais, por que os leitores poderiam duvidar da independência dessas resenhas".


Na resenha que Graieb fez do livro de seu chefe, no entanto, os elogios eram derramados:

"Dois tipos de sedução aguardam o leitor de O Dia em que Matei Meu Pai (Record; 221 páginas; 25,90 reais). Primeiro, a sedução do bom texto literário, à qual ele pode se entregar sem medo. O romance de estréia do jornalista Mario Sabino, editor executivo de VEJA, é daqueles que se devoram rápido, de preferência de uma vez só, porque a história é envolvente e a linguagem, cristalina. Sabino possui atributos fundamentais para um ficcionista, como o poder de criar imagens precisas: em seu texto, ao ser atingido pelas costas um personagem não apenas se curva antes de desabar; ele se curva como se fosse "para amarrar os sapatos"".

A resenha destaca a passagem mais marcante do livro, um diálogo do personagem com o psicanalista, à altura de uma cena hamletiana:

"A certa altura, ele grita para sua analista: "Não quero saber de interpretações. Faça-as longe de mim, e sem a minha colaboração. De que elas servem, meu Deus? Você, aqui, não passa de coadjuvante, está entendendo? Por isso, não tente ser protagonista por meio de suas interpretações"".

Escrita a resenha, foi encaminhada ao editor responsável pela liberação: o próprio Sabino. Ele conferiu o título, aprovou a foto em que aparece com o ar circunspecto dos grandes autores atormentados, e mandou para a gráfica.

No dia 31 de março de 2004, três semanas após o panegírico, a relação dos livros mais vendidos na categoria “Ficção" era a seguinte:

1o Perdas e Ganhos, de Lya Luft
2o Pensar é transgredir, de Lya Luft
3o Budapeste, de Chico Buarque
4o As Filhas da Princesa, de Jean Sasson
5o Onze Minutos, de Paulo Coelho
6o O Beijo da Morte, de Carlos Heitor Cony e Anna Lee
7o Harry Potter e a Ordem do Fênix, de J.K. Howlling
8o O Rei das Fraudes, de John Grisban
9o Sobre meninos e lobos, de Dennis Lehane
10o Paixões Obscuras, de Nora Robers.

O livro de Sabino não aparecia.

Na edição seguinte, de 7 de abril de 2004, a seção dos “Mais Vendidos” anunciava uma mudança nos critérios de classificação dos livros.

“Da categoria de ficção farão parte apenas romances e coletâneas de contos. Da categoria de não-ficção constarão ensaios e biografias, mas também livros de crônicas, cuja referência principal se encontra no noticiário e no registro de uma realidade mais imediata” Isso acontecerá ainda que o cronista lance mão de recursos ficcionais"

Não fazia sentido. Há um padrão consagrado nas listas e nas premiações de considerar crônicas como Ficção. Segundo o leitor Saulo Maciel, que percebeu essa manobra:

"Um livro de Luis Fernando Verissimo – 100% ficcional –, depois de dois anos na categoria Ficção, passava a ser considerado Não-Ficção, embora o próprio sítio internet de sua editora, a Objetiva, o incluísse na página Ficção. (Recentemente os livros de Verissimo voltaram a figurar, sem explicação aparente, na categoria Ficção). A revista também não explicava por que quatro livrarias haviam sido excluídas da lista de estabelecimentos consultados. (Basta conferir com a edição anterior)"

Quatro livros da categoria “Ficção” foram transferidos para a “Não Ficção”: os dois da campeã Lya Luft, “As Filhas da Princesa”, e um de Luiz Fernando Veríssimo.


Essas mudanças permitiram ao livro de Sabino entrar em 10o lugar na lista, na categoria “Ficção” (clique aqui).

Geralmente o livro entra na relação dos mais vendidos na semana do lançamento, ainda mais após a exposição recebida de Veja. O de Sabino entrava na terceira semana, à custa da mudança de critérios e da exclusão de livrarias pesquisadas.


Mesmo com as alterações nos critérios, o livro não resistiu e sumiu da lista na semana seguinte. Depois, sem muito alarde, voltaram os critérios originais dos "Mais Vendidos".

Pouco tempo depois, Graieb foi promovido.

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