segunda-feira, março 06, 2006

Conto E dizia o vovozinho...

por Solange Pereira Pinto


Ele que achava que sabia alguma coisa resolveu passear em outras cidades. Morava num canto onde era mais um que sabia de alguma coisa, misturado com gente que sabia muito e com outros que nada sabiam. Na sua terra, a maioria era como ele que sabia nem muito, mas também sabia mais que nada.

Depois de andar muito encontrou uma vila onde ninguém sabia de nada. Resolveu por ali ficar uns dias. O povo, que não sabia de nada, vivia feliz conversando na pracinha da igreja. Acordavam junto com o sol e dormiam com as estrelas.
Dia após dia, eles ensinavam o nada que sabiam às crianças que nada de nada conheciam. Aquele que sabia de alguma coisa resolveu mostrar àquele povo que eles precisavam saber mais do que sabiam, pois como poderiam continuar a viver uma vida assim sem saber de quase nada? E começou a contar o que ela tinha visto e sabia.
De início uns ficaram entediados e outros, é claro, curiosos. Teve ainda quem ficasse revoltado com aquele estrangeiro. Os curiosos faziam parte daqueles que não sabiam de nada, mas queriam saber alguma coisa, pois essa coisa parece vírus, querer saber.
Em pouco tempo a vilazinha começou a ficar diferente. Era um tal de pergunta daqui e pergunta dali, que quem não sabia de nada não sabia o que fazer. Aquele que sabia de alguma coisa começou a ficar preocupado, pois não estava dando conta do rebuliço que causara e já não sabia o que fazer também.
Enquanto isso, na terra misturada de gente que sabia muito, com quem sabia alguma coisa e outros que nada sabiam, a situação não estava muito diferente. Os que sabiam muito falavam tudo que todo mundo devia saber e mesmo assim a confusão não era pouca. E quanto mais diziam que sabiam o que todos deviam saber, menos se sabia o que se devia fazer.
Gradativamente alguns foram mudando de colocação. Quem não sabia de nada já sabia de alguma coisa, outros achavam que mesmo sabendo de alguma coisa já sabiam de tudo, tinha a ala dos que sabiam alguma coisa antes e agora já sabiam de tudo também.
Porém, um fenômeno aconteceu, uns poucos dos que sabiam de tudo começaram a saber de nada. Achavam que eram uns farsantes, porque como é que eles que sabiam de tudo podiam não saber de nada? Conta-se que um deles virou monge para tentar decifrar o que aconteceu. Um outro parece que ficou louco mesmo.
Mas teve especialmente um que sabia de tudo até saber de nada, que era primo de outro que mais que todos sabia de tudo, que resolveu estudar o caso dos que sabiam de tudo, de alguma coisa, de nada. Dizem que antes alguns já haviam anotado as idéias dos que sabiam de tudo, quando eles mesmos não podiam ou não faziam sabe-se lá porque. Assim, lá foi ele ler tudo que estava escrito e ouvir tudo que tinha para ser dito.
Muitos anos se passaram e muitos cadernos foram preenchidos. Não eram poucas as teorias. O que assustava quem agora não sabia de nada é como ele tinha passado tanto tempo acreditando que sabia de tudo e dizendo para os outros o que devia ser sabido.
Lembrou-se que ensinaram para ele desde pequeno que precisava saber das coisas e ler e ouvir os que sabiam delas. Ele mesmo era um desses que ensinava quem não sabia de nada porque ele numa época sabia de alguma coisa e depois passou a saber de quase tudo. Claro, ele sempre percebeu que não sabia de tudo tudo, mas não podia contar para ninguém, pois essas coisas ninguém conta para ninguém. É um grande segredo.
Na vila de quem não sabia de nada, que fazia tempo fora sossegada, a notícia logo se espalhou que umas pessoas já não estavam sabendo direito o que sabiam. No caminho qual foi sua surpresa quando cumprimentava e quase ninguém lhe respondia. Estavam mudos! Até ele pensou em emudecer.
Mas o que adiantava calar se a cabeça falava o tempo todo? Ele não entendia o que estava lhe acometendo! Será que as outras pessoas não pensavam mais e por isso estavam mudas? Será que quem não sabia de nada não pensava e só falava? Tudo aquilo era um terrível mistério.
Ora, pensou ele: todo mundo pensa. Mas como é possível alguém nada saber e outro saber de quase tudo? Pelo menos era assim que ele via e ouvia o que diziam: tinha gente que sabia de tudo, tinha gente que não sabia de nada. Aquele que agora só lia e anotava e ouvia e anotava e não sabia de mais nada estava perdido em tanta anotação e pensamento tomado dos outros.
Ele já não sabia saber o que era dele e o que não era, porque ele agora que sabia o que outro dizia saber, sabia o que não sabia antes. Estava enlouquecendo pensava, mas ao certo não sabia se isso era ficar louco. Aliás, como saber se estava só pensando ou enlouquecendo? E pior, para que pensar tanto e saber tanto para descobrir que nada sabe e pensar ainda mais?

A tormenta estava longe de terminar. Os livros de história contavam que fazia tempo que os tempos eram assim, de gente pensando, de gente falando o que pensa, de gente que fala sem pensar e de gente que pensa e nada fala.
No ex-vilarejo de quem não sabia nada até chegar aquele que sabia de alguma coisa as coisas não demonstravam solução. O que se sabe é que uma parte de muita gente se arrependeu do dia que o estrangeiro lá chegou e que outra parte de muita gente já estava fazendo como o estrangeiro indo para outras vilazinhas sabe-se lá para que.
Ouvia-se pelos cantos que era um farsante aquele que sabia de alguma coisa, porque na verdade ele não sabia praticamente de coisa nenhuma e achava que sabia mais que quem não sabia de nada, que no fundo sabia sim de alguma coisa.
Milhares de anos se passaram. E continuava a mesma idéia daqueles tempos remotos. Gente que não sabia de nada, gente que sabia de alguma coisa e gente que sabia de praticamente tudo. Ou quase tudo, ou mais que todos os outros.
Ao que parece, anotou aquele que agora só lia e anotava e ouvia e anotava que a vida daquelas gentes não melhorou quase nada não, era o que ele pensava, e que continuava uma loucura anotar tudo que se sabia, mesmo que fosse a sabedoria de outro e não a própria e que na verdade nada era verdade. Mal se sabia o que se devia saber. O que se sabia não servia muito para todos ficarem tranqüilos. Se ninguém soubesse de nada como seria? E quem sabe sabe mesmo? Dizia um vovozinho: “Feliz é aquele que nasce burro, vive ignorante e morre de repente”... melhor não pensar... ninguém sabe de nada mesmo!

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